Revisto ISTO É GENTE

Com apenas 10% de visão, ele dirige uma escola
de inglês, dá aulas para 25 internos da Febem
e lançará um livro com sua história para custear
um tratamento para tentar enxergar

Ele tem a idade de Cristo e na primeira década de sua vida perdeu o pai, por conta do alcoolismo, e o irmão mais velho, por afogamento. Natanael Joaquim morava com outros sete irmãos em uma casa de um cômodo, banheiro e cozinha na Vila Guilhermina, bairro humilde da zona leste de São Paulo, e, quando entrou na adolescência, descobriu que sofria de toxoplasmose. A doença havia lhe afetado a retina ocular e hoje tem apenas 10% de visão. “Peguei essa doença porque tive contato com a água da enchente”, conta. Para sobreviver, vendeu coxinhas de frango feitas pela mãe, Maria de Lurdes. E, assim, completou os estudos e arrumou emprego como produtor de marketing do Banespa. Graças a esse ofício, que durou dez anos, conheceu o cantor americano Billy Paul, em 1990. “Foi uma promoção do banco e como eu havia feitos os cartazes para divulgação na empresa, pude participar da entrevista coletiva e conhecê-lo”, diz.

Billy Paul encantou-se com a força de vontade de Natanael e prometeu pagar o tratamento dele se ele fosse para os Estados Unidos. Foi o que fez. Para conseguir a passagem, o brasileiro inscreveu-se na gincana Corrida Maluca, apresentada pelo Gugu, do SBT. Venceu. Ganhou a passagem e voou para Nova Iorque. Como não falava inglês, contou com a ajuda de um amigo para encontrar-se com Billy Paul, que o levou a uma clínica de olhos na Filadélfia. Os médicos constataram que havia 50% de chances de sucesso na cirurgia. “Se não desse certo eu ficaria cego, então não fiz”, disse Natanael, que resolveu esperar a medicina avançar para tratar do seu problema.

 

Amigo Netinho

Natanael e Netinho: “Mais um irmão contrariou as estatísticas”, diz Netinho

Decidiu então ficar por lá e aprender a língua da terra do Tio Sam. Para pagar a mensalidade da Margate Middle School, ele trabalhou como ajudante de garçom e marceneiro. Voltou para o Brasil três anos mais tarde. Arrumou emprego em escola de inglês, continuou com trabalhos como produtor e, assim, juntou dinheiro e abriu seu próprio empreendimento. “Traduzi a entrevista de Graça Machel, a mulher de Nelson Mandela, e dou aulas de inglês para o Sebastian (o garoto propaganda C&A)”, contou. Em suas andanças como produtor e professor de inglês, conheceu Netinho, que virou seu amigo. “Graças a Deus mais um irmão conseguiu contrariar as estatísticas”, diz Netinho.

Hoje, Natanael tem 65 alunos. Há um mês procurou o diretor da escola oficina na Febem do bairro do Tatuapé, em São Paulo e se ofereceu para dar aulas. Assim, as tardes das sextas-feiras passaram a ser dedicadas a um grupo de 25 meninos da instituição. “Achei interessante e as crianças gostaram muito. A idéia de expandir o projeto para outras unidades depende da possibilidade de Natanael”, afirma o diretor Fernando José Mendes Júnior. Enquanto a medicina não avança o suficiente para resolver o seu problema de visão, Natanael coloca no papel a sua história. Lançará seu primeiro livro, No Pain, No Gain, em setembro. “O título significa que sem sacrifício não se consegue nada”, ensina o professor.

 

Com o cantor Billy Paul, em 1993