Revista SENTIDOS

Enxergando o futuro

Natanael é a prova de que todos podem alcançar sonhos e fazer a diferença.

POR SANDRA COSTA FOTOS ARQUIVO PESSOAL

 

A população brasileira em 2009 pode chegar a mais de 191 milhões, essa é a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dentro desse contingente, 2,5 milhões são pessoas com deficiência visual, e nessa população está Natanael Joaquim, um homem com déficit de visão que não deixou sua vida ficar no escuro. Estudou para garantir uma formação de professor de inglês, fundou a ONG Visão do Bem e um dos seus projetos é o Coral de Cegos, pioneiro no Brasil. A sua meta é formar programas que promovam a inclusão social das pessoas com deficiência. É autor do livro “No Pain, No Gain” – (Sem sacrifício não se alcança nada), que conta sua trajetória, lutas e vitórias.

Revista Sentidos: Quais foram os principais obstáculos que você enfrentou na infância?
Natanael Joaquim:
 Precisei começar a trabalhar cedo, minha mãe fazia salgados para vender e eu a ajudava, só assim entrava dinheiro em casa. Vendia coxinhas de frango pelas ruas e tinha um bom retorno. Antes de sair, colocava a bandeja com os salgados em cima da cama e orava. Adorava jogar bola, mas por conta da baixa visão, eu me perdia durante o jogo e geralmente me excluíam da partida. Na escola também era outra dificuldade. Estudava com a ajuda de uma lupa, mas tive amigos que me auxiliavam. Sempre fui batalhador e mesmo com todas as dificuldades, e preconceitos, mas nunca deixei de acreditar nos meus sonhos.

RS: Como foi a perda da visão?
NJ:
 Ainda na infância tive toxoplasmose na retina. Mas enxergava razoavelmente bem. Com o passar dos anos, a minha visão foi ficando mais comprometida. Minha mãe sofria de ceratocone (uma doença degenerativa da córnea), e antes de descobrirem a minha doença, alguns acreditavam que eu estava imitando o jeito dela de olhar, e meu possível problema nos olhos não seria sério. Já estava na adolescência quando passei pela primeira vez no oftalmologista. Com o início tardio de um tratamento, a minha visão foi piorando e hoje possuo apenas 10% dela.

RS: Seu primeiro emprego formal foi no banco Banespa. Você enfrentou muitas dificuldades para se manter no emprego em razão da deficiência?
NJ:
 Por indicação de uma amiga, fui prestar concurso no banco para ser office boy, na época tinha 14 anos. A dificuldade começou na contratação, quando o exame médico adicional diagnosticou a toxoplasmose e não quiseram me aprovar. Era a primeira vez que me consultava com um oftalmologista. Passei por seis médicos do próprio banco até que o último entendeu minha necessidade pelo emprego e me aprovou. Na época, eu tinha pouca instrução, no entanto, possuía grande capacidade de ler e escrever. Conquistei o emprego e foram 14 anos de alegria pelo trabalho. Aposentei com cargo na área de produção dos comerciais do banco. A minha aposentadoria veio cedo, pois minha visão estava cada vez mais comprometida e poderia ficar cego a qualquer momento. Esse benefício é minha principal renda e a destino para a ONG Visão do Bem. E antes de sair do banco, fiz um trabalho paralelo como produtor da atriz Marília Pêra, na peça “Elas por Ela”.

RS: Você acredita que os concursos públicos têm atendido as pessoas com deficiência?
NJ:
 Acredito que as contratações de pessoas com deficiência visual, estão caminhando lentamente. Os cegos precisam de oportunidades de trabalho, pois somos iguais e competentes. Por isso, montei a ONG e o Coral para Cegos, pois procuro defender nossos direitos e exaltar as nossas qualidades.

RS: E a passagem pelos Estados Unidos? Como foi essa experiência?
NJ:
 Foi fantástica desde o início, porque eu consegui a passagem área através de uma gincana no Programa do Gugu, no SBT em 1992. Para viajar, tirei uma licença, não remunerada, de dois anos no banco e fui aos EUA para ser consultado pelo oftalmologista do cantor Billy Paul, da Philadélfia. Eu o conheci numa coletiva de imprensa e ele me prometeu que pagaria as consultas, o que realmente cumpriu. Mas as palavras do médico foram desanimadoras, pois na época só existiam testes para a cura da minha doença e fazer a cirurgia me dava 50% de chance apenas de correção. Por receio de perder totalmente a visão, preferi não arriscar e decidi ficar em Nova Iorque para aprender o idioma e me profissionalizar. Lá trabalhei como lavador de pratos. Eu pagava a mensalidade da escola de inglês com o dinheiro que recebia. Dois anos depois, voltei para o Brasil e minha visão estava muito ruim. Fiz um tratamento no Instituto Penido Bounier, em Campinas (SP), e minha visão estacionou em 10%, caso eu não fizesse esse tratamento, certamente teria ficado cego. Aprender inglês me possibilitou crescer profissionalmente, tanto que tenho uma escola de conversação em São Paulo que se chama Speedy School. Além disso, sou intérprete de artistas internacionais.

RS: Quais são seus principais projetos?
NJ:
 Sou professor, e um dos trabalhos que me marcou nessa carreira foi ter dado aula por três meses para internos na Fundação Casa (antiga Febem), em São Paulo no ano de 2001. A princípio, o diretor resistia porque achava que não levaria a nada as aulas, mas ele estava enganado, pois dois garotos foram libertos e saíram de lá falando inglês.
Os rapazes retomaram os estudos e conseguiram emprego. Faço palestras pelo Brasil e para alguns países como Estados Unidos e Japão. As minhas apresentações são motivacionais, e demonstro alguns caminhos que a pessoa com deficiência pode seguir e conquistar seu espaço na sociedade. Estou fazendo uma parceria com o proprietário do Teatro Bibi Ferreira e Tuto Massa, diretor das palestras que realizo, para criar um programa que faça as peças teatrais terem audiodescrição (narração através de fones das interpretações que estão em silêncio). Assim possibilitará o cego a entender todas as cenas.

RS: Há opções culturais para pessoas cegas?
NJ:
 Existem poucas opções culturais para os cegos. Na Austrália, por exemplo, tem uma TV para a pessoa com deficiência visual. O Ministro das Comunicações, Hélio Costa, disse que tem pretensões de fazer o mesmo aqui, e isso poderá auxiliar na oferta cultural. Já está acontecendo algumas peças teatrais e filmes com audiodescrição. Ainda há muito o que fazer, os livros tanto em braille quanto em audiobook, não atendem a demanda existente, é necessário mais incentivo do governo.

“Falo sobre a importância do não. Quando alguém recusa você é nosso dever reverter a situação e mostrar para essa pessoa a sua capacidade.”

RS: No assunto sexualidade, quais os tabus e os preconceitos?
NJ:
Mudou muito esse preconceito de se relacionar com a pessoa com deficiência visual. Hoje vemos cegos casados e com filhos de boa visão, e casais de pessoa com e sem deficiência. Para se fazer sexo não precisa ver, mas sim, sentir a sensibilidade do outro e mostrar que enxerga de forma diferente.

RS: Qual é o principal objetivo da sua ONG e do Coral ?
NJ
: A ONG Visão do Bem tem a finalidade de cuidar da pessoa com deficiência visual. Contamos com médicos, advogados, psicólogos, oftalmologistas, e outras especialidades, que cobram um preço a baixo do custo nas consultas e a ONG paga a metade do valor do atendimento. Além disso, promovemos eventos, como desfile somente com cegos, e grupo de canto, que foi apresentado em frente ao Teatro Municipal de São Paulo em maio de 2009. Sua meta é mostrar para a sociedade que somos iguais e competentes, através de atividades que realizamos, como aulas de inglês e de canto. E temos a pretensão de apresentar o coral em periferias e montar um grupo de modelos cegos.